quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O fim do mundo em cuecas


Lance Armstrong a centrar as atenções dos media, pelos piores motivos

Ou pelo menos em Licra.

Esta questão do Armstrong tem barbas (longas e já brancas), mas o caso está agora a ser difundido, forte e feio, pelos media a nível mundial. Depois de uma longa batalha jurídica, Armstrong decidiu que não iria continuar a enfrentar as contínuas acusações, o que foi prontamente tomado como uma admissão de culpa.

As consequências são várias, cada uma mais gravosa que a anterior: a perda dos títulos do Tour, todos os sete, uma enorme machadada na sua reputação e os ganhos de patrocínios que ela gerava, e a desilusão para milhões de pessoas que encontraram inspiração na história de vida de Lance.

Sim, essa é a verdadeira tragédia. O ciclismo-desporto não me interessa assim tanto, muito menos certamente que ao Zé-Manel-Taxista lhe interessa ver a bola. Mas a história do americano que sobreviveu a um cancro incurável para regressar mais forte que nunca ao seu desporto de eleição, de caminho batendo todos os rivais e todos os recordes, é mais que um fenómeno do ciclismo de estrada. É uma fábula moderna, que transmitiu animo e esperança a milhões de pessoas em todo o mundo que enfrentavam circunstâncias difíceis. O Armstrong é provavelmente também responsável por ter dado um grande empurrão ao ciclismo, sobretudo nos Estados Unidos. O seu legado é enorme, mas jaz agora em ruínas. Ele não admite culpas, mas após anos de suspeitas e acusações o jogo parece ter chegado ao fim. A agência anti-doping americana acusa o campeão Texano de ter tomado drogas ilegais entre 1998 e 2005, e de ter organizado um esquema complexo para estar sempre um passo à frente das autoridades e silenciar todos os que ousassem denunciá-lo.

Armstrong contrapõe que nunca falhou um teste, e fez centenas ao longo dos anos, que o chefe da USADA lhe moveu uma perseguição pessoal tipo caça às bruxas e que as provas são na melhor das hipóteses circunstanciais e as testemunhas pouco credíveis. Acontece que algumas dessas testemunhas são agora os seus ex-companheiros de equipa, os seus melhores amigos e aliados, como o George Hincapie e o Tyler Hamilton. É o Game Over para o Texano, um fim triste para uma carreira incomparável.

Um amigo forneceu-me o relatório da USADA que acaba de sair hoje, numa noite de insónia podem consultar as suas 202 páginas aqui. Se preferirem vejam este trabalho do 60 minutes sobre o caso, com as declarações do Hamilton:




Tudo isto não seria tão difícil de digerir se não tivéssemos todos suspeitas de que esta performance impressionante do Lance Armstrong não pudesse ser fruto de uns pozinhos mágicos. A modalidade está infelizmente marcada por intermináveis casos de dopping, a tal ponto que se entregarem os títulos do Texano ao 2º classificado do Tour nos 7 anos que ele ganhou, em alguns casos vão entregar o título a um confesso utilizador de drogas ilegais. Pessoalmente penso que a maioria dos ciclistas competitivos dos anos oitenta e noventa, e talvez até aos dias de hoje, não eram nem muito saudavelzinhos nem muito sinceros.

Se lerem um livrinho que aqui recomendei recentemente, o incomparável Wide eyed and legless, ficam com a ideia que já em 1987 o dopping era não só comum como tolerado no Tour. Era visto como só mais uma forma de ser competitivo. O Armstrong e o seu entorno podem ter levado esta permissividade até às últimas consequências.

José Azevedo em 2009, já retirado

Alguém que não é mencionado no processo mas que até poderia trazer alguma luz para o assunto, embora eu duvide muito que o faça, é o "nosso" infatigável José Azevedo, durante vários anos companheiro de equipa do famoso Texano e grande contribuinte para o seu sucesso.

Resta esperar que este caso traumático para o desporto e para os fãs traga atrás de si um nova era de campeões limpos, que não sacrifiquem tudo pela glória efémera e um punhado de dólares. O ciclismo é um desporto impiedoso e brutal, já chegam os dramas da estrada, todos estes escândalos e tragédias eram perfeitamente desnecessários. O mundo já fornece questões em abundância para nos deprimirmos, o ciclismo era suposto ter justamente o efeito contrário.     

1 comentário:

  1. Bessa
    Relativamente a este caso Armstrong, há um artigo excelente escrito por quem sabe da poda, jornalista com mais de muitos anos ligados ao ciclismo, que elucida alguns passos do processo:

    http://veloluso.blogspot.pt/2012/08/ano-vii-etapa-49.html

    Pergunto-me porque razão só o ciclismo é que é o alvo desta caça às bruxas. Qualquer atleta que toque na bola é limpo e impoluto, mesmo que nós vejamos 22 cavalos a correr, após 90 minutos, como se o jogo se tivesse iniciado naquele instante. E os tipos da NBA, que jogam um dia na costa Leste e no dia seguinte na costa Oeste, sempre frescos e joviais? E outras minudências que o espaço escasso não permite analisar.
    Mas sempre acrescento que também não percebo a sanha estúpida e hipócrita que alguém inventou para proibir o uso de certas substâncias aos atletas. A sociedade tolera todo o tipo de drogas ao comum dos cidadãos: café, álcool e vaso-dilatadores são os produtos que me surgem prontamente ao pensamento. Quantas pessoas se formaram à custa do café? Quantas mantêm um relacionamento à custa do viagra? Quantas pessoas resistem no trabalho à custa das aspirinas e outros fármacos? Que ditame é que proibe aos desportistas a utilização de produtos que a sociedade sanciona a todas as outras ocupações humanas?
    Considero espantoso que se pense que o simples facto de eu levar uma transfusão sanguínea ou tomar determinado produto me permite ganhar seja o que fôr. Será que se derem EPO ao Fernado Mendes ele conseguirá subir a Serra da Estrela mais depressa que o Alberto Contador? Patético. Mais patético é que as pessoas aceitem bovinamente estas teorias do desportista impoluto.

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